27.12.13

Descasca-te

Isadora Garcia

A vida se esconde embaixo de tudo.
A superfície não basta,
Só visão embaça,
Vivemos na massa
E a massa maçante envolve a vida numa casca
Casca grossa, dura, impenetrável.
Será?
Não.
Impenetrável superfície,
Mas meus olhos vão além,
Eles têm que ir.
Olhos cansados, amassados, emassados,
esses olhos não veem,
Mas os meus vão além,
veem abaixo,
perpassam a casca,
descascam a vida,
descascam-se,
descasco-me.
E vivo.

A vida se esconde embaixo de tudo.
Na superfície tudo boia.
Prefiro afundar,
Navegar pelos mares da vida-marinha,
da vida-escondida,
da vida-...
...-perdida?
Não.
Nela me acho,
Nela me sinto,
Nela sou.
E só nela.
Eu sou nela.
Aqui em cima,
Bem...
Aqui em cima represento.
Espetáculo oco sob(re) a vida
enclausurada
na casca.
Poucos sabem descascar.

Viver é

Isadora Garcia

O que é viver?
Viver é conseguir?
Viver é persistir?
Viver é desistir?
Viver é conseguir sem persistir?
Viver é persistir sem desistir?
Viver é desistir sem conseguir?
Viver é conseguir sem desistir?
Viver é desistir sem persistir?
Viver é persistir sem conseguir?
Viver é tudo.
Viver é nada.
Viver é tudo ou nada.
Viver é.
E o que é?
Eu sou?
E o que sou?
Eu sou vida.
Eu sou tudo.
Eu sou nada.
Eu sou tudo ou nada.
E a vida?
Passou.

Escrevo em sonho

Isadora Garcia

EscreeeeeeeeevoPARO.
Pennnnnsssssssoo...
Soooono.    .    .
SoNhO...,...?...!...,...?.”...”.
Acordo! Escrevo! Apago! Escrevo!
Risco. O que era mesmo?
...? !!!? .,.?? “?” ? ... .
perco.
OOlhoo...
...............aguardo...............
Soooono.    .    .
SoNh-
Acordescrevapaguescrevo!
E ponto)
E pronto)
É isso)
Só isso)
Sorriso)

20.12.13

.

Isadora Garcia

Vazio.
Silêncio.
Solidão.
Sua ausência me perturba
Seus olhos me faltam
Sua alegria me carece.
Choro o vazio da casa
Choro o vazio do peito
Choro a partida
Choro a impossibilidade do regresso
Choro.
Estico minha mão e todo o vazio
Mas o nada não é macio como você
Mas o nada não conforta
O nada não me olha
O nada não me entende.
Procuro presença
na ausência
Procuro conforto
na dor.
Não há.
Não há.
Não há.

Ficou o nada







e o nada não responde.



16.5.13

Verdades guardadas

Isadora Garcia

Choro a iminência da descoberta
Segura me sinto, cá, encoberta
Teus olhos vendados são mais felizes
Teu coração guardado das cicatrizes

A cena final

Isadora Garcia

    Cada ponto final era como uma facada, cada vez alcançando espaços mais íntimos nas entranhas da velha. Era a última vez, ela sabia. Não haveria um próximo encontro, não haveria mais futuro, não haveria mais nada, era o fim. Não estava preparada para o adeus ainda, ela repetia, enquanto seus olhos, já embaçados pela emoção, deixavam escapar uma lágrima, única representação verdadeiramente física de seu sofrimento. Mas não havia mais como desistir, o acordo estava feito e este era o momento do adeus. As dores das feridas ardiam e matavam a escritora por dentro. Ela não podia parar, ou não chegaria ao fim, tinha consciência de sua limitação. Era pouco o ar que chegava a seus pulmões, estava morrendo. Morria junto com o fim da história que escrevia. Não era um fim como os outros, ah!, não era! Este fim marcava, também, o término de uma vida conjunta, de um amor incompreensível a corações humanos. A velha amava aquele homem com mais intensidade do que saberia explicar. E o fato de que dela dependia a existência dele queimava por dentro. Ele só morreria por causa dela, era tudo sua culpa. Seu corpo tremia. Estava ponto um fim à vida de ambos. A velha morria por matar seu personagem e ele morria em virtude da morte de sua criadora. Não havia alternativa, não havia saída. Ela soluçava. Seu sangue encontrava dificuldade para percorrer o caminho até seu coração. O barulho das teclas acompanhava as facadas que lhe tiravam a vida. Chegara a cena final do último dos romances figurados pelo vilão. Ele já avistara sua vitma: parada, sentada diante de uma máquina de escrever. Este seria o último assassinato, seria o golpe definitivo, mataria vitma e vilão, estranhamente misturados em seus papéis. O homem já estava próximo o suficiente, sedento por sangue, quando percebera que sua presa chorava, consciente do próximo evento. Mas isso pouco lhe importava. Este era seu destino, este era seu ofício. E com um último suspiro, a velha escreveu o ponto final.