29.12.12

Fim súbito para o amor

Isadora Garcia

Não havia absolutamente nada que os conectasse, que pudesse fazer suas vidas se cruzarem, ou que possibilitasse um encontro casual. No entanto, da forma mais casual possível, seus caminhos deixaram de ser paralelos e, em um dado momento, sem que houvesse maior explicação do que o simples acaso, conheceram-se.
Digo desta forma: "conheceram-se", justamente por ter sido algo bem rápido, e não um processo longo, como normalmente levamos para afirmarmos que conhecemos alguém. O que normalmente leva-se meses para se tornar concreto, formou-se em pouco mais do que alguns dias. Não sei se foi a vontade de estarem juntos, se foi o fato de combinarem, ou se há alguma explicação para que tudo tenha ocorrido tão rápido, mas o fato é que, em poucas semanas, havia amor.
É difícil saber exatamente quando as coisas começaram a não dar certo. Não é que tenham surgido brigas ou discussões, mas tudo se tornou simplesmente confuso. É, acho que confusão é a palavra que define este momento daquela relação. Os dois estavam assustados e não havia como acalmá-los por meio de lógica, já que não existia lógica alguma naquilo tudo. E era impossível desligar as preocupações sem explicação racional para a paixão.
Aflitos e com medo, decidiram que o melhor era fazer aquilo parar. Já não pensavam mais no amor, apenas na confusão. Eles buscavam soluções para problemas dos quais eram eles próprios criadores, mas disso não se davam conta, é claro. E foi desta forma que o amor foi posto de lado e a razão tomou seu lugar. Assim que tomaram a decisão, se acharam muito responsáveis, os dois. Era admirável como conseguiam lidar com a situação com os pés no chão!
Dias passram e não, não funcionou. Foi súbita a maneira como suas vidas se cruzaram, mas não era possível que fosse igualmente súbita a separação dos dois. Antes, não havia nada, mas depois... Não se mata uma relação, uma história, um sentimento do dia para a noite, com um assinar de papéis. Não, não é assim que funciona. O ser humano é mais complexo que isso, é muito mais fascinante que isso! Se o amor fosse um jogo de regras definidas, não o jogaríamos a vida inteira com tamanha curiosidade. Se fosse fácil assim, haveria manuais, prescrições e até remédios (e, certamente, há os que os queiram!).
Observo de longe esses dois tolos que ainda ontem estavam sorrindo, achando que haviam feito a coisa certa e que haviam findado o problema. "Problema", chamam eles, mas que horror! Isso haveria de me agredir, de me ofender, mas nem ligo. Estou aqui a rir, enquanto eles pensam que se livraram do amor. Mal sabem eles a força que este sentimento tem. Mal sabem eles que é inútil tentar matar assim, de repente, algo que está predestinado a uní-los para sempre. Vou até ajeitar-me na poltrona, a história desses dois vai ser gostosa de assistir.

13.11.12

Roteiro da resignação

Isadora Garcia

Empenho,
vontade,
dedicação.

Esforço,

cansaço,
tentação.

Dúvida,

angústia,
distração.

Foco,

meta,
satisfação.

Orgulho,

coragem,
avaliação.

Crítica,

ordem,
rejeição.

Tristeza,

amparo,
consolação.

Estímulo?

Desânimo.

Determinação?

Desistência.

Conformação?

4.11.12

Procura da poesia

Carlos Drummond de Andrade

(...)

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.

Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível que lhe deres:
Trouxeste a chave?

Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.

28.10.12

Dilemas de um talvez

Isadora Garcia


Nada neste mundo é pior
que o silêncio de um talvez.
Preferia a dor de um jamais,
que corta, que fere, que mata de vez.

A espera, a dúvida, a ansiedade...
Como me perturbam tais sentimentos!
Antes a lágrima da partida,
que a inquietude do pensamento.

Seu talvez me tira o sono,
mantém acesa a esperança.
Seu talvez me (des)ilude,
me rouba qualquer segurança.

Sigo assim, instável,
nunca sei quando acredito.
Chegará logo a resposta?
Findará meu estado aflito?

Fico, então, imóvel,
Impossível é prosseguir.
Prolonga-se meu sofrer,
e seu talvez segue a sorrir.

21.10.12

Olha e vê!

Isadora Garcia

Era uma vez uma menina bem pequenininha. Bem verdade era que as responsabilidades que levava nas costas não condiziam com o tamanho da pobre menina. "Já és grande o suficiente!", diziam a ela, "já está mais do que na hora de caminhares com tuas próprias pernas, oras!". Mas não era assim que a menina se via. Para ela, suas mãos ainda não suportavam o árduo trabalho, seus pés logo se cansavam de sustentar o peso de toda sua obrigação. Olhava-se no espelho e via refletido em seus olhos castanhos o medo. Como tinha medo essa menina! Medo de quê? Medo do futuro, mas é claro! Ah, o futuro... Há algo mais amedrontador do que aquilo que esta palavra resume? O incerto, o obscuro, o duvidoso... Sim, era o futuro que figurava nos pesadelos da menina. E assim ela foi vivendo, ela foi dando conta daquilo que dela era exigido. Mas mal percebia, a menina, que caminhava a passos largos em direção ao seu temido futuro. E seu caminho fora ficando mais claro, mais iluminado, mais povoado, também. De repente, ela, que pensou que o caminho para o futuro devesse ser percorrido a sós, percebeu-se rodeada de companhias, que, num falatório animado, distraiam-na dos obstáculos, alertavam-na para os perigos. Contente, a menina já pouco se lembrava de seus medos. Era como se eles estivessem adormecidos, esquecidos embaixo de pesados cobertores. Já não era mais uma menina. Crescera. Verdade era que as feições juvenis ainda eram muito presentes, mas a mente (ah, a mente!) já estava muito mudada, muito amadurecida, muito vivida, se é que é permitido assim dizer de alguém de 19 anos. Sim, creio que assim seja possível afirmar, pois é isto que a menina via, mas não só isso. Num dado momento da caminhada, ela fora surpreendida pela presença de um enorme espelho. Em sua bela e delicada moldura, estava escrito simplesmente: "olha e vê". E foi isso que ela fez. Neste momento, a menina se viu, a menina se percebeu. Logo lágrimas encheram seus olhos e obscureceram sua visão. E quanto menos enxergava, mais era a menina capaz de se ver! E que visão incrível! Como pudera o tempo, a correria do caminhar e as distrações da jornada lhe tornarem tão alheia a si mesma? A menina se via e chorava, emocionada. Tudo o que ela mais queria estava se tornando realidade! Ela estava vendo em si mesma a realização de uma antiga promessa, algo que se propôs, timidamente, a realizar anos antes, mas que nunca chegara a verdadeiramente acreditar que poderia vir a se concretizar. E lá estava ela. Real. Forte. Capaz. Esta visão foi talvez o marco mais importante da vida da menina. Foi a partir deste momento que ela começou a confiar em si mesma. E quando confiamos em nós mesmos, não há fronteiras que limitem até onde poderemos chegar!

19.8.12

Eternidade fugaz


Isadora Garcia

Minha alma canta
E a canção é tão bela que
Envolve meu corpo numa dança

Dança eterna dos amantes
Tão eterna quanto o tempo
Pensou certa vez que seria.

12.8.12

Queria poder te abraçar e deixar as lágrimas rolarem na certeza de que elas são capazes de falar coisas que as palavras jamais aprenderão.

4.8.12

Privação ideológica*


Isadora Garcia

Violentamente, puxaram meus pés de volta ao chão, amarraram minhas asas e vendaram-me os olhos. Estava voando muito alto, diziam. Alcançando ideias perigosas, justificavam. Tolos! Vendas nunca serão negras o suficiente, nem cordas serão fortes o bastante para findar os sonhos e cantos de minha alma.


*Adaptação de Sonhar é permitido? para um concurso de mini-contos.

O mar da vida


Isadora Garcia

O barco de minha vida navega por mares de incerteza.
Mas sob tais mares, correm águas de sonhos,
Correm desejos e vontades, corre o canto de minha alma.
Me pego a refletir sobre o verdadeiro norteador da jornada:
Serão as preocupações ou as paixões? Medo ou anseio?
Creio que não caiba a mim a descoberta,
Creio que meu roteiro não preveja a elucidação
Daquilo que seria o maior enigma da vida,
Daquilo que, de fato, nos move e nos orienta:
Nossas dúvidas, nossas escolhas, nosso caminho.

21.6.12

Sonhar é permitido, dizem os jornais

Isadora Garcia

-Sonhar é permitido, está nos jornais! E, olha só! Agora também está liberado viver para realizar seus sonhos!

-Será?! Não acredito! Não é possível!

-Pois acredite, rapaz! Foi decretado, virou lei!

-Mas... Logo eu que... Foram tantos anos tentando enterrar meus sonhos, tentando ignorar seus chamados... - Pausa - E se estiverem mortos?!?!

-Pois trate de reanimá-los, meu caro, ou morrerás tu!

Vozes guardadas

Isadora Garcia

No silêncio da noite, cautelosa, tento despertar uma das vozes que mora em meu peito. Todo cuidado parece pouco na delicada tarefa de interromper-lhe o sono sem causar-lhe incômodo. Quero ouvi-la, quero descobrir quais doces palavras ela anda guardando para si, embora haja sempre o risco de serem amargas suas palestras.

Um pouco do que me compõe

Isadora Garcia

Quero levar ao mundo
um pouco de mim.
Palavras, que sejam.
Rimas, enfim.

Sei que, para alguns,
serão mais do que sons.
Além de verem riscos,
lerão diversos tons.

Quero levar-lhes um pouco
do que me compõe.
Esperar que aceitem
o que se propõe.

Talvez seja preciso
uma busca cautelosa,
exercício ardiloso,
tarefa grandiosa.

Pouco devo dizer,
é importante definir.
Desejo que, ao me lerem,
muito(s) possam ouvir.

1.6.12

Quino


31.5.12

Sonhar é permitido?


Isadora Garcia 

Descobri a magia e o poder das palavras aos poucos. O mistério que as envolve foi me fascinando de tal forma, que não pude ignorá-lo. Ele tornou-se autor de meus sonhos e me incentivou a buscar na beleza das letras a possibilidade de externar sentimentos, fantasias e desejos. A descoberta desta possibilidade infinita de provar tão doce sabor me encantou e, leve e sorridente, dei asas a sonhos que me levaram (e ainda levam!) para mundos fantásticos. A coisa foi tomando dimensões que, a meus olhos, eram magníficas, mas, na ótica da fria realidade, eram preocupantes. Foi então que começaram a puxar meus pés de volta para o chão, a me impor vendas e cordas, a cortar minhas asas, que cultivava com tanto orgulho. Que dor! Que horror! Aquilo me doeu, como me doeu! Mas as vendas não eram negras o suficiente e as cordas não tinham a força requerida para parar os cantos de minha alma. Durou pouco o tempo em que aceitei esta prisão. Logo minhas asas já estavam novamente fortalecidas e foi então que dei o maior salto de todos! Ah, que maravilha o vento a me tocar o rosto! Era incrível a leveza depois da privação! Hoje cultivo meus sonhos e meu imaginário, confiante. Muitas vezes ainda sinto a queimação das cordas em meus pés, tentando me prender a um mundo de limitações, mas logo vêm as palavras a me abrir os olhos, a levantar meu rosto e me apontar o céu, moradia eterna da alma que acredita.

27.5.12

Memória fraca


Isadora Garcia

           A realidade chegou cortante, dilacerando tudo ao seu redor. Meu coração, que antes mascarava certezas, fantasiando dúvidas, hoje se vê rasgado por verdades nuas e cruéis. Não há qualquer preocupação da vil assassina em atenuar os estragos que causa. O real machuca de propósito, corta com vontade, que é para ver se o coração aprende de uma vez por todas a lição. Mas ele não aprende... Ele não aprende...

26.3.12

Sozinho nunca está o coração que ama


 Isadora Garcia

    Hoje acordei e havia um pássaro em minha janela. Aproximei-me e estranhei a calma do pequenino frente ao que deve parecer um gigante para ternos olhinhos, tão belos que são! Após desfrutar da tal doce surpresa, voltei à rotina incessável dos dias, quase cega de tão automática. A comida sem gosto das horas poucas da manhã, a água caindo em meu corpo e o que devia ser o milésimo engarrafamento marcado pela mesma cena de sempre me impediram de reparar uma presença pequena, discreta, mas constante.
              Foi divagando em meio às explicações do professor, sempre ininterrupto em suas palavras complexas, que o notei ao meu lado. Era o pássaro da minha janela, era ele a me vigiar! Trocamos perguntas explícitas e mudas, buscando respostas em faces tão distintas, que impossível nos era ler nos traços um do outro o que figurava nosso diálogo.
          Tentei fotografar cada pena colorida. Procurei memorizar em detalhes aquele momento, aquela conversa silenciosa calorosamente a me inquietar. Mas quanto mais me preparava para o susto de sua partida, mais ele me dava certeza da estabilidade de sua presença. Não nos separaríamos mais, isto era óbvio! Qualquer um seria capaz de ler tais verdades nos detalhes daquele momento, mas éramos nós os únicos a dançar sob o som daquela melodia. Os dias seguintes vieram e cada vez mais me alegrava nossa parceria. Nunca mais me via a sós. Nem na dor, nem na alegria. Protagonistas eram dois dali em diante na poesia.

25.2.12

As vozes do conhecimento

Por: Isadora Garcia

Era uma vez um menino muito curioso. Ele queria saber sobre tudo, perguntava aos adultos sem parar. Andava com os olhos bem abertos, atento ao mundo que o cercava. Mas à medida que foi crescendo, foi ficando triste. Tudo o que sabia, pensava, fora ensinado a ele por outros. Seu conhecimento nunca seria a priori, sempre haveria intervenção dos que o cercavam. Ele parou de perguntar, parou de ler, passou a tentar descobrir as coisas por si mesmo, apenas com o uso de seus sentidos e de seu pensamento. Gostava de analisar o comportamento da natureza, pois, para ele, ali não haveria intervenção humana, ele poderia compreender o que quisesse da maneira que julgava mais pura.

Com o tempo, porém, este isolamento da sociedade foi lhe deixando solitário, melancólico e ele passou se sentir inútil. Sua família, depois de muito tentar trazê-lo de volta ao convívio social, desistiu, acreditando que ele havia enlouquecido e que negaria para sempre qualquer ajuda. As maravilhas da natureza não mais o fascinavam, nem mesmo o movimento das nuvens, que tanto gostava de observar. Já era um homem e aquele sentimento de que o mundo desfilava na frente de seus olhos para ser por ele descoberto morria cada dia mais. Não havia mais a necessidade de buscar conhecimento, pois percebera que o conhecimento preso em seu corpo não servia de nada. Foi então que lhe ocorreu uma ideia maravilhosa! Era isso! Havia desperdiçado grande parte de sua vida atrás de algo que não era o que de fato lhe satisfaria! Mas agora ele sabia o que tinha de ser feito e a felicidade uma vez mais irradiava de seus olhos.

Voltou correndo para a vila onde morava, sorrindo a todos. Olha, o moribundo doido voltou, diziam os que o viam passar. Sua família chorou emocionada com o reencontro. O que o fez voltar, meu filho? Perguntou a velha. Mãe, descobri! Eu descobri, mãe! Dizia sem conter o entusiasmo. Descobriu o que, meu filho? O que tanto procurava que demorou esses anos todos para encontrar lá sozinho? O temor de que a loucura não houvesse ido embora ainda a atormentava. Descobri meu papel no mundo, mãe, para que sirvo! A resposta não foi muito bem compreendida pela velha, mas ao ver seu filho tão feliz, não pode deixar de comemorar. Fico feliz por você, meu anjo, muito feliz na verdade! Disse abraçando-o.

Os anos passaram e o que fora uma vez o menino mais curioso da cidade tornara-se o mais sábio dos professores. Transmitir seu conhecimento era o que mais o agradava. Reunia-se todos os dias com pequenas crianças ansiosas pelas histórias do bom professor. As aulas eram viagens pelo mundo. Pelas palavras do mestre, as crianças eram capazes de viver o que muitos adultos da vila foram incapazes de experimentar. Os pais ficavam felizes ao ver seus filhos tão entusiasmados para irem às reuniões, o que as tornou, com o tempo, cada vez mais cheias.

O professor percebera que o conhecimento não é corrompido quando é trazido por outra pessoa. Pelo contrário, ele é enriquecido! Aquilo que descobrimos por nós mesmos, ao ser passado a outro, será interpretado de forma diferente, o que dá início a uma constante renovação. Muitas vozes estão contidas nos conhecimentos que cada sociedade cultiva e, quanto mais vozes formos capazes de acumular, mais rico será esse conhecimento.

20.2.12

A última cena

Isadora Garcia

Para Francisco Pedro Garcia


Às vezes a lembrança da tua lágrima

Vem, sorrateira, me visitar.

Não sei se chora mais a lembrança

Ou o coração a lembrar.